domingo, 19 de janeiro de 2014

A paciência e a rebeldia de Jó diante do sofrimento

Abrindo as portas do livro de Jó

     A história narrada do livro de Jó era muito conhecida no antigo Oriente e na Palestina, bem antes de o livro ser escrito. O personagem central do livro é estrangeiro, certamente de Hus, ao sul de Edom (cf. Jó 1,1). As pessoas daquele tempo tinham também suas inquietações a respeito da dor e do sofrimento. No tempo de Jó se aprendia que o sofrimento vinha de Deus. A teologia da retribuição foi pregada no pós-exílio da Babilônia, representada pelos teocratas que afirmavam ser o templo a moradia de Deus único e oficial. Tal Deus não escutava o clamor nem o grito dos pobres (cf. Jó 24, 12). Ele só atendia a quem cumprisse toda a lei ditada a quem cumprisse toda a Lei ditada pela religião oficial. O culto no templo era única forma de um impuro tornar-se purificado diante de Deus e voltar a participar da vida social. Essa religião excluía os estrangeiros, os doentes, os aleijados, as mulheres, os empobrecidos as pessoas bem-sucedidas eram justam e abençoadas por Deus, e aquelas que tinham algum sofrimento ou doença eram pecadoras e amaldiçoadas por ele. É nesse contexto que vai surgir a literatura sapiencial do Primeiro Testamento, revelando um novo rosto de Deus.

Abrindo a primeira porta do livro de Jó

   A primeira porta do livro de Jó é uma narrativa em prosa composta dos capítulos iniciais e dos versículos finais: 1-2 e 42, 10-17. Jó, pessoa temente a Deus, possui muitas riquezas e filhos. Satã desafia Deus, dizendo que é muito fácil para Jó ser fiel, pois ele tem tudo de que necessita, mas bastaria tocar nele para ver o que aconteceria! Deus permite a Satã provar Jó. Por essa aposta, Jó perde todos os seus bens e os seus filhos. Mesmo assim, permanece firme, é abençoado em dobro.
  Essa história reforça a teologia da retribuição, que tem por princípio a fidelidade a Deus é recompensada com riqueza e vida longa (cf. Dt 30, 15-20)
   Essa narrativa em prosa (1-2 e 42, 10-17) mostra os três amigos de Jó que ficam sabendo de desgraça e vão ao seu encontro para consolá-lo. De acordo com a tradição judaica, os amigos cumpriram seu dever. Eles permanecem ao lado de Jó, em silêncio, por sete dias e sete noites, pois o sofrimento é muito grande. Eles tentam compreender a situação à luz de sua fé, sem considerar a experiência de Jó. Os amigos estão comprometidos com a teoria e não com a vida. 
     Nos capítulos 1 e 2, Jó é paciente. Reforça a teologia da retribuição. Para o pessoal do templo, as pessoas que eram pobres, doentes e sem filhos eram pecadores e amaldiçoadas por Deus, e aquelas que tinham saúde, riqueza e filhos eram puras e abençoadas por Deus. É aí que entra todo o questionamento do livro de Jó. Ele é um justo que não pecou e está sofrendo.
      Em Jó 42, 7-9, os amigos são recriminados por Deus, que exalta a atitude de Jó. Em 42, 10-17, Jó paciente é recompensado em dobro. Também está na lógica da teologia da retribuição: "Sofre com paciência que Deus o recompensará".

Abrindo a segunda porta do livro de Jó

     A segunda porta é uma narrativa poética (3, 1 e 42,6) e começa com um lamento de Jó.
     Jó amaldiçoa o dia do seu nascimento. Era preferível não ter nascido, pois assim não passaria por tanto sofrimento. Para ele a morte iguala a todos (cf. Jó 3, 19). O seu grito nasce da vida dura, da dor, da falta de tranquilidade, além do tormento (cf. 3, 26).
     Aqui conhecemos um Jó rebelde. O texto vem de outro lugar social, reflete outra situação de vida. Provavelmente revela o drama das famílias que perderam suas terras e agora são meeiras arrendatárias, gente endividada que paga sua dívida com trabalho escravo. Conversando sobre os afazeres do cotidiano e sobre a vida, ouvindo e convivendo uns com os outros, compartilhando suas dores, angústias e temores, outra imagem de Deus ia ficando clara para eles. Podiam experimentar a presença de Deus na solidariedade, na partilha e no apoio mútuo. 
    Dessa vivência é que vinha a sua força. Era essa prática que os levava a encontrar com o Deus da vida, um Deus bem diferente daquele que aparece nos capítulos 1-2 e 42, 7-12. Vai surgir aí uma nova teologia, a partir do cotidiano. Deus está no meio de nós, escuta o nosso clamor e desce para nos libertar (cf. Ex 3, 7). Em 42, 5 vai aparecer uma confissão de fé feita por Jó: "Eu te conhecia só de ouvir. Agora, porém, meus olhos te veem". 

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